"" Jorge Alamar ⇉ Redação do Enem: Não saber fazer a redação do Enem?

Não saber fazer a redação do Enem?

Como notamos, Umberto Eco constrói a imagem de um enunciador bem articulado, culto, que discute com o cardeal utilizando autoridades reconhecidas no discurso teológico. Passa ao auditório a impressão de estar muito bem informado a respeito do tema posto em debate, revelando-se bem preparado, já que relera obras fundamentais do pensador religioso. São Tomás de Aquino, assim, utilizado como autoridade, funciona como um auxiliar fundamental do enunciador, consolidando suas posições e contribuindo para a elevação do nível do debate.

Trata-se de argumentos que se baseiam nas ideias admitidas por bom senso. Correspondem a valores em circulação na sociedade sobre os quais não pairam dúvidas: são aceitos como verdadeiros pelo grupo social sem necessidade de argumentação (o que é considerado óbvio não precisa ser comprovado para ser aceito). De certa maneira, esses dados consensuais se assemelham ao que chamamos anteriormente de "evidência" (no discurso científico): da mesma forma que se cria a impressão de que contra a evidência não há argumentos, contra o que é considerado consensual também não. Só se argumenta diante daquilo sobre o qual não há consenso: argumenta-se, de fato, para atingi-lo (para chegar a um ponto comum, na verdade o ponto de vista do enunciador). Argumentos que contrariam o ponto de vista considerado consensual, assim, são fracos, ineficazes.

Mas é importante observar com atenção as ressalvas feitas por Philippe Breton, em A argumentação na comunicação:

A opinião "comumente aceita" é geralmente um ponto cie vista atenuado que se tomou um lugar-comum com uma pequena eficiência argumentativa. Aceita-se esta opinião, mas sem entusiasmo, pelo fato de ser muito comum. Os provérbios, os ditados e as máximas carregam, como "saber popular", esses lugares-comuns enfraquecidos pelo uso. 'Antes pouco e melhor do que muito e pior" pode ser, em certas circunstancias, a etapa de enquadramento de uma argumentação (por exemplo, pura defender a ideia de que não sene de nada ter inúmeros policiais na rua, ao passo que se tivéssemos apenas poucos, mas bem pagos, teríamos um melhor resultado).

Como percebemos, é preciso cautela no uso desse recurso argumentativo, uma vez que o consenso é o que todos sabem, e, para falar só do que todos já sabem, o texto torna-se desnecessário, perde sua razão de ser. Não há o que argumentar, por exemplo, diante de dados consensuais como a ideia de que o homem é mortal, a aids é uma doença contagiosa, homens não podem engravidar, etc.

A resposta do cardeal Cario Maria Martini às observações de Umberto Eco sobre o início da vida humana (como vimos ao tratar do argumento de autoridade) mostra o uso eficiente desse recurso argumentativo. Eco, um leigo (não religioso), usa o argumento de autoridade para apresentar suas opiniões ao cardeal. O cardeal, um religioso, usa o argumento de consenso para rebatê-las. Ocorre aqui uma curiosa inversão: o leigo usa um argumento que parece mais adequado ao religioso, uma vez que recorre a São Tomás de Aquinó; o religioso, em contrapartida, usa um argumento aparentemente mais adequado ao leigo, já que apela para o senso comum. O argumento do leigo se aproxima mais do universo divino; o argumento do religioso, mais do universo humano. Vejamos um trecho da resposta do cardeal:

O senhor se refere justamente às sutis reflexões de Tomás sobre as diversas fases do desenvolvimento do vivente. Não sou filósofo, nem loqo e não quero adentrar-me em tais questões. Mas todos sabemos que hoje se conhece melhor o dinamismo do desenvolvimento humano e a clareza de suas determinações genéticas a partir de um ponto que, pelo menos teoricamente, pode ser precisado. A partir da concepção nasce, de fato, um ser novo. Novo significa diverso dos dois elementos que, unindo-se, o formaram. Tal ser inicia um processo de desenvolvimento que o levará a tornar-se aquela "criança, coisa maravilhosa, milagre natural ao qual se deve aderir". E este o ser de que se trata, desde o início.

Habilmente, o cardeal diz não ser um especialista. Assim, desobriga-se de discutir minúcias teóricas, questões filosóficas, que competiriam a um especialista. Recorre à ideia de evidência, de verdade, veiculada pelo argumento de consenso: "todos sabemos". Assim, é como se dissesse que, se todos sabem que a vida começa na concepção, fato inquestionável, trata-se de uma questão que não precisa ser provada para ser aceita: o consenso, sábio, aponta o início da vida na concepção como algo óbvio, indiscutível: portanto, não fazem sentido as abstrações filosóficas.

E o argumento que pode ser verificado pela observação. Seu nome por si só já o explica: trata-se do recurso que se baseia na apresentação de dados concretos que servem para comprovar a tese do enunciador, criando também efeito de sentido de evidência, de realidade. Esses dados extraídos da experiência concreta, "real", estão presentes em fontes diversas, como levantamentos estatísticos, relatórios, pesquisas, etc. Em geral, trata-se de dados colhidos junto a uma fonte chamada de "fidedigna", ou seja, que goza de credibilidade, como, por exemplo, os dados do IBGE.

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